Essa história aconteceu no outono de 2001, quando eu tinha 17 anos.
Eu moro nessa casa desde os meus 7 anos de idade. Para entender melhor o que
causou essa estranha e extremamente tétrica manifestação, eu vou ter que relatar
um pouco do meu passado e da minha infância. É, na minha opinião, a origem, a
semente que germinou e se transformou em algo que me faz, até os dias de hoje,
olhar sobre o meu ombro antes de deslizar para o mundo dos sonhos.
Eu posso me lembrar perfeitamente daquele dia, cada detalhe dele. Eu tinha 5
anos na época, e eu me culpo por tudo. A minha mãe tinha ido trabalhar mais cedo
naquele dia,e uma mulher loira veio para casa com os dois filhos dela. Eu não
entendia nada de romance e compromisso naquela idade, e não achei estranho
quando a filha mais nova dela, Eliza, veio correndo para mim com a grande
noticia do dia "Adivinha o que?" "O que?" "A minha mãe e o seu pai estão
beijando!" Eu fico encabulada de dizer que na hora nós dois rimos um pouco.
Eliza (que tinha mesma idade que eu, 5 anos) fez aquilo parecer tão grande,
excitante e único! Não foi surpresa que, quando a minha mãe chegou do trabalho,
eu simplesmente tinha que contar para ela aquela grande notícia! A minha mãe
explodiu! "ELE O QUÊ....?!!!" Eu me lembro do meu pai gritando tão alto que eu
me senti como um pequenina e frágil estátua, tão assustada que nem conseguia
respirar. Eu senti que era a minha culpa. Aquela culpa caiu em mim por algo que
eu não tinha idéia que fosse errado.
Nem preciso falar, nós saímos de casa para longe dele, para uma casa pequena e
apertada, só eu e a minha mãe, sozinhas. Eu sempre perguntava porque eu não
podia ver o meu pai, e chorava muito. Eu me lembro de me transformar em uma
criança muito quieta, muito triste no fundo da alma.
A minha mãe eventualmente encontrou alguém que poderia nos sustentar melhor, nos
dar mais estabilidade, mas por dentro eu continuei do mesmo jeito.
Eu cresci com aquela culpa dentro de mim, e nunca me importei e processar tudo.
Eu também acabei virando aquela criança que os outros pegam no pé na escola. A
minha adolescência foi dura e severa. Eu estava muito confusa com tudo. Eu bebia
muito até não sentir mais nada, e sempre procurava por amor, enquanto não me
sentia nem um pouco amada e de certo modo rejeitada. Eu confiava nas pessoas, e
sempre acabava sendo pisada. Eu sentia que aos 17 anos a minha dignidade estava
destruída, e que talvez amor verdadeiro era apenas um conto de fadas, e foi
então que aconteceu!
Eu estava me sentindo totalmente desnorteada e abandonada naquela semana. Eu e a
minha mãe estávamos tendo problemas para nos comunicar, e tudo estava dando
errado. Começou com esses sonhos extremamente reais, dessas criaturas negras,
sorrateiras e malignas, sem rosto para identificá-las. Nesses sonhos elas
rondavam camas de hospitais de pessoas que estavam morrendo, as vezes eu
acordava, sentindo que estava sendo acariciada por uma delas. A única
classificação que eu tenho delas é que eram os ceifadores da morte.
Sombras sem faces, mascaradas pela escuridão, elas me aterrorizavam no meu
subconsciente (nos meus sonhos). Eu nunca tive sonhos tão vívidos e repetidos.
Eles finalmente acabaram uma noite quando eu estava deitada na minha cama. No
meu sonho eles estavam em volta de mim, me cercando na minha cama. Então eles
começaram a rasgar a minha pele, cavavam o meu corpo em busca da minha alma,
roubando o meu fôlego.
Eu acordei completamente suada, sentindo o conforto do leve abraço do meu
lençol. E, quando eu olhei para frente, havia um deles, na frente do meu
armário! Eu não conseguia respirar de novo. Eu pensei que aquilo fosse sumir se
eu esfregasse os meus olhos, mas quando não sumiu, eu entrei em pânico. Eu
queria gritar. Eu podia sentir o meu corpo inteiro gritando por dentro. A última
coisa que eu me lembro foi aquela figura envolta em sombras esticando o braço,
como se dissesse "Venha comigo."
Pareceu uma eternidade, mas finalmente eu me levantei e corri para fora do meu
quarto. Depois de ter esfregado os olhos duas vezes, eu sabia que aquilo não era
um sonho. Você pode questionar a minha sanidade, tudo bem por mim. Mas eu sei da
verdade, você não! Eu estava lá.
Eu ainda olho por cima do meu ombro todas as noites antes de dormir, mas eu
nunca mais vi ele.
Camila - São Paulo - S.P.